Filho
dedico o pouco restante da minha vida aos meus filhos
aqueles que do meu ventre não sairão
dedico cada última palavra
e abraços que neguei
à eles espero que venha a brisa do mar
o atraso na escola
a briga incansável pela adolescência rebelde
meu corpo dedica palavras e textos nada simbólicos ou orgulhosos
dedico então à ti
meu filho
o abraço mais forte que dei em minha mãe
te digo hoje as palavras que não verá sair da minha boca
não vou cair na tentação
não olharei nos seus olhos uma vez sequer
não entrarei na sua festa de formatura
não irei te deixa na escola pela primeira vez
ao meu filho direi palavras tolas
cansarei no caminho até o jogo de futebol
esquecerei o remédio no fim da tarde
não te verei amar
mas o lado bom é que não te verei sofrer
não te verei morrer
não estarás aqui vegetando ao som de uma rádio de elevador
te vi na rua sete, ao lado do prédio com o bloco D
aquele mesmo que em alguns meses te veria desaguar
abarca esse mar
abraça esse mar
vive esse mar
mergulha filho,
mergulha nesse mar
te encontrarei já já
dizem eles
espero não encontrar
espero que não veja meu rosto velho e cansado
que não sinta meu cheiro de banho recém tomado
que não pegue nas mãos que tanto foram aos olhos enxugando lágrimas
meu filho, te direi tchau
adeus
até logo
dentro do eu te amo
não quero te mentir
não quero te inventar
não quero te enganar
pensei uma vez em desistir de escrever esse texto e me trancar no quarto até esquecer as palavras
(Paulo freire provavelmente não gostaria dessa ideia)
e nem eu
amo as palavras como quem ama a vida
como quem pula de asa deltas e paira sob a visão divina
divina como tu
que me diz tchau
adeus
e até logo
dentro do eu te amo
Comentários
Postar um comentário